Epidemiologia Oncológica Veterinária – o Elo Perdido
Epidemiologia é tradicionalmente definido como a ciência que estuda a distribuição e determinantes das doenças nas populações. Embora muito utlizada para o estudo das doenças infeciosas, a sua estrutura, filosofia, atitudes e aplicação podem ser largamente utilizadas à pesquisa clínica de várias doenças nas mais diferentes espécies.
Mais especificamente e atualmente temos a “Medicina Veterinária baseada em evidências” (EBVM) que consiste basicamente em sairmos da área do “achômetro” para a ciência do “evidenciômetro”. Trata-se de reunir informações que evidenciem as melhores práticas clínicas, e não só, com fundamento científico adequado, auxiliando as escolhas de decisões de meios de diagnósticos, tratamentos mais adequados e prognósticos mais assertivos.
A Epidemiologia Veterinária Oncológica tem vindo a ganhar muita importância justamente pela necessidade de se ter evidências científicas de estudos com validade externa e translacionais principalmente à medicina humana, dentro da área da oncologia comparada.
A Oncologia Comparada é uma área multidisciplinar em expansão nos últimos anos a qual estuda o risco de câncer e o seu desenvolvimento em diferentes espécies, com o objetivo maior de ampliar o conhecimento desta doença.
As neoplasias em animais são consideradas, principalmente de cães e gatos, fisiopatologicamente e clinicamente equivalentes às neoplasias humanas, ocorrendo de forma espontânea [2]. Para além disso, o facto de a esperança de vida animal ser mais curta tem por consequência um menor período de latência entre a exposição a agentes de risco e o desenvolvimento da neoplasia, permitindo inferir que o estudo do câncer nos animais abrevia a avaliação de novas técnicas de diagnóstico, tratamento e prevenção e os animais podem ser utilizados como alertas para perigos ambientais sobre a saúde humana. A coabitação próxima entre animais domésticos e humanos coloca os primeiros numa posição privilegiada e mais aproximada à realidade humana quando comparados com os tradicionais modelos murinos, podendo fornecer uma poderosa fonte de informação para o estudo do câncer.
Além disso, cada vez mais há uma consciencialização sobre a oportunidade e a necessidade crítica de abordar problemas de saúde e alcançar objetivos numa perspetiva holística, considerando a interface entre a saúde do ecossistema, a saúde animal e a saúde humana, que caracteriza a essência do conceito One Health em que esses três campos são interdependentes e interligados.
Portanto, a epidemiologia das neoplasias animais, com o estudo das prevalências, incidências, investigação de fatores de riscos e muito mais, pode ser visto como o “elo perdido” entre a saúde humana e ambiental que é preciso resgatar e trabalhar. Observar e estudar o que acontece com os animais pode ajudar a predizer e a prevenir doenças nos humanos e alertar para doenças do ambiente.
Na obra “Zoobiquidade: o que os animais podem nos ensinar sobre saúde e a ciência de cura” (2012), as autoras observam: “Num mundo onde nenhuma criatura está verdadeiramente isolada e as doenças se espalham tão rapidamente como os jatos podem voar, somos todos os canários e todo o planeta é a nossa mina de carvão. Qualquer espécie pode ser uma sentinela de perigo – mas apenas se a mais ampla gama de profissionais de saúde estiver a prestar atenção”.
É o que queremos e estamos a fazer: estarmos atentos ao que se passa, juntando dados e gerando evidências.
A ABROVET é a responsável pelo GIVCS – Global Initiative for Veterinary Cancer Surveillance – que pretende reunir pesquisadores do mundo todo para fomentar a criação e padronização dos registros oncológicos no mundo. Já somos um grupo com mais de 10 países a trabalhar. Podem ver mais em www.givcs.org.
Foi também inaugurada recentemente a Rede Vet-OncoNet em Portugal, que pretende ser uma rede de partilha de informação de neoplasias em animais de companhia e investigação de fatores de risco associados. Na perspectiva One Health e da vigilância, essa rede quer unir esforços nacionais e internacionais para criar uma base de dados alimentadas com informação de diagnósticos, clínicos e de hábitos em geral, unindo os laboratórios de diagnóstico, os médicos veterinários clínicos e um fator decisivo, a participação dos tutores. Podem ter mais informações em www.vetonconet.pt . A rede pretende também ser expandida para o Brasil, através da ABROVET, possibilitando estudos comparativos internacionais.
Autora:
Katia Pinello, Coordenadora da Supra especialidade de Epidemiologia Oncológica Veterinária da ABROVET
Referências
Butler, L.M., Bonnett, B.N., Page, R.L. Epidemiology and the Evidence-Based Medicine Approach in Withrow and MacEwen’s Small Animal Clinical Oncology.
Evans, B.R., and Leighton, F.A. (2014). A history of One Health. Rev Sci Tech 33, 413-420.
National Research Council. (1991). Animals as sentinels of environmental health hazards. In. (Washington, D.C., National Academy Press,), p 160.
Natterson-Horowitz, B., and Bowers, K. (2012). Zoobiquity: what animals can teach us about health and the science of healing.(Toronto: Doubleday Canada).
Reif, J.S. (2011). Animal sentinels for environmental and public health. Public Health Rep 126 Suppl 1, 50-57.
Schiffman, J.D., and Breen, M. (2015). Comparative oncology: what dogs and other species can teach us about humans with cancer. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci 370.