Tumores em crescimento progressivo e clinicamente aparentes desenvolvem estratégias para evadir os mecanismos de defesa do sistema imune. Neste contexto, a Imuno-Oncologia possui três principais missões: a primeira consiste no estudo das interações extremamente complexas no microambiente tumoral, composto por células cancerígenas geneticamente instáveis, células endoteliais, fibroblastos, células do sistema imune e componentes da matriz extracelular. A compreensão, ainda que parcial, dos mecanismos de progressão do tumor nos permite avançar para a segunda missão: desenvolvimento de terapias. As imunoterapias têm como objetivo potencializar a resposta imune contra tumores, aumentando a qualidade ou quantidade de células efetoras do sistema imune; promovendo a exposição de novos antígenos que possam ser detectados; e/ou eliminando mecanismos de imunossupressão promovidos por células tumorais. A terceira missão, desenvolvida em paralelo com a segunda, consiste na validação de métodos diagnósticos e prognósticos, com ênfase na avaliação da eficácia de terapias antitumorais.
Em relação às imunoterapias, as estratégias podem ser divididas em dois grupos: imunoterapia ativa e imunoterapia passiva. Do primeiro grupo, fazem parte: as vacinas terapêuticas (contendo antígenos tumorais autólogos ou recombinantes), os agonistas de Toll Like Receptors (TLRs) e os vírus oncolíticos, por exemplo. Já a imunoterapia passiva consiste na administração de algum componente do sistema imune ao paciente, como citocinas, anticorpos monoclonais (que interferem em vias de sinalização intracelular) e terapia celular adotiva (transferência de linfócitos, células dendríticas).
Na oncologia humana, o reconhecimento da eficácia da imunoterapia veio à tona com a atribuição do prêmio Nobel de Medicina em 2018 a dois imunologistas, que estudaram os inibidores de checkpoints imunológicos, moléculas que controlam a inibição e estimulação do sistema imune. O tratamento com inibidores de checkpoints consiste em utilizar anticorpos que se ligam às proteínas expressas na superfície dos linfócitos T (CTLA-4 e PD-1) para inibi-las. Quando engajadas em seus respectivos ligantes, essas proteínas desencadeiam cascatas de sinalização que inativam os linfócitos; desta forma, o tratamento com anticorpos desliga o “freio” do sistema imune, já que as vias de sinalização mediadas pelas moléculas CTLA-4 e PD-1 são bloqueadas, permitindo que os linfócitos sejam reativados para combater o tumor. A molécula ligante de PD-1, o PD-L1, presente em algumas células tumorais, também pode ser o alvo de anticorpos monoclonais.
O tratamento se mostrou eficaz em diversos tipos de cânceres, inclusive em pacientes que já possuíam metástases. No entanto, como o objetivo é melhorar a ação dos linfócitos T, a terapia é indicada para tumores imunogênicos, ou seja, tumores que já apresentam indícios de resposta imune, como infiltração de linfócitos no microambiente tumoral, como no caso do melanoma, por exemplo.
Em cães, a expressão de PD-L1 foi observada em células de diversos tumores, como o melanoma oral, osteossarcoma, hemangiossarcoma, adenocarcinomas e o mastocitoma. Ainda, foi observada a expressão de PD-1 em linfócitos T que infiltravam melanomas orais caninos. Estes fatos demonstram o potencial do tratamento com inibidores de checkpoints também na Medicina Veterinária. Embora alguns estudos in vitro sejam promissores, ensaios clínicos são fundamentais para avaliarmos a eficácia terapêutica. Nos Estados Unidos, por exemplo, um estudo clínico em cães vem sendo conduzido desde 2017 na Universidade do Alabama (Study Number AAH5D004876), no qual um dos braços terapêuticos consiste em inibidores de checkpoint para o tratamento de cães com glioma. Detalhes do estudo e resultados ainda não foram divulgados.
Outro assunto emergente e excitante em terapias celulares baseia-se na engenharia de células T citotóxicas e células natural killers (NK) para que elas possam reconhecer antígenos específicos na membrana celular e induzir a morte celular sem depender do MHC ou da expressão costimulatória. Embora os Linfócitos Infiltrantes de Tumor (TILs) reconheçam antígenos tumorais, podem ser incapazes de induzir uma resposta citotóxica devido a um microambiente imunossupressor. A modificação das células T dos pacientes para expressar um receptor de antígeno quimérico (CAR, do Inglês Chimeric Antigen Receptor) cria a oportunidade de induzir uma forte resposta citotóxica contra o tumor mesmo diante dos sinais negativos do microambiente tumoral.
Em 2017, o FDA aprovou as duas primeiras terapias celulares CAR-T. Esses CARs têm como alvo CD19, uma molécula expressa apenas em linfócitos B, uma abordagem que se mostrou um poderoso tratamento de segunda linha contra a leucemia linfoblástica aguda de células B (B-ALL) e alguns linfomas de células B. O sucesso em ensaios clínicos variou de 70 a 94%, tornando esses tratamentos um importante avanço na terapia gênica e na imunoterapia.
Convém ainda mencionar a viroterapia oncolítica: uma forma de terapia do câncer que emprega vírus nativos ou modificados que se replicam seletivamente e matam as células tumorais. Os vírus promovem respostas imunológicas antitumorais devido à infecção viral e à lise aguda das células neoplásicas. Esta técnica está ganhando cada vez mais atenção devido ao seu desempenho em ensaios clínicos humanos e veterinários.
Em 2015, os órgão regulatórios FDA e EMA aprovaram um vírus herpes simplex (HSV-1) modificado para o tratamento do melanoma em estágio avançado em humanos. O vírus, chamado Imlygic® (OncoVex, T-VEC, talimogene laherparepvec), expressa fator de estimulação de colônias de granulócitos-macrófagos (GM-CSF) e sua eficácia foi avaliada em ensaio clínico de fase II com pacientes em estágio III e IV de melanoma, que revelou taxa de resposta de 26% dos Critérios de Avaliação de Resposta em Tumores Sólidos (RECIST), incluindo 8 respostas completas e 5 respostas parciais. Embora o Brasil tenha sido incluído no ensaio clínico multicêntrico internacional, não há previsão de comercialização deste vírus em nosso país, o que reforça a necessidade de pesquisa e desenvolvimento de terapias em instituições brasileiras, para que possamos superar barreiras referentes à logística e custo de importação de tecnologias.
No que se refere à validação de métodos diagnósticos e prognósticos, a biópsia líquida é uma ferramenta cada vez mais estudada em oncologia humana, mas ainda pouco difundida em Medicina Veterinária. Trata-se da detecção no sangue periférico dos chamados produtos tumorais circulantes – células tumorais íntegras, ácidos nucléicos tumorais e vesículas extracelulares. A biópsia líquida apresenta potenciais aplicações no diagnóstico de tumores e no prognóstico de pacientes oncológicos, mas a aplicação mais interessante para a imuno-oncologia é a avaliação de eficácia de terapias antitumorais. A carga dos produtos tumorais circulantes é preditiva para a eficácia de um tratamento, com a sua redução em comparação ao ponto inicial estando relacionada a uma melhor resposta. O aumento na carga dos produtos ao longo de um tratamento pode indicar desenvolvimento de resistência. Ainda, uma alta carga de produtos tumorais circulantes, mesmo na ausência de nódulos metastáticos, pode ser um critério precoce para início de terapias adjuvantes.
Diante da vasta produção científica nos últimos anos e dos resultados obtidos em ensaios clínicos em humanos utilizando diversos tipos de imunoterapias, é inegável o impacto da Imuno-Oncologia no tempo de sobrevida e bem-estar dos pacientes. Na Medicina Veterinária, organizações internacionais promovem estudos clínicos em animais de companhia de forma regulamentada e com financiamento da indústria e de órgãos públicos, muitas vezes com o objetivo de obter dados pré-clínicos para ensaios em seres humanos. Para estes países, como Estados Unidos, Canadá e países da Europa, podese dizer que o acesso a novas terapias é uma questão de tempo. No Brasil, além de todos os desafios intrínsecos ao estudo da biologia de tumores, lidamos com a dificuldade de acesso a novos produtos por questões de logística de importação e barreiras alfandegárias; recursos escassos para a pesquisa e desenvolvimento em território nacional e falta de regulamentação para pesquisa clínica em pacientes oncológicos. Sendo assim, a compreensão do sistema imune no desenvolvimento e progressão de tumores é o primeiro passo para alavancarmos a Imuno-Oncologia no país, mas, além do cenário tecnológico, precisamos ter em mente o cenário socioeconômico e regulatório para criarmos soluções efetivas e tratamentos acessíveis.
Autores:
Cássia Corrêa Yasumaru
Cristina de Oliveira Massoco
Gissele Rolemberg
Jéssica Garcia
Julia de Carvalho Nakamura
Victor Nowosh
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