Nos últimos 75 anos estudos sobre a dieta e sua relação com o controle e a prevenção do câncer levaram à melhor compreensão de como a nutrição pode impactar no manejo e na qualidade de vida de pacientes oncológicos. Em humanos sabe-se que uma dieta pouco saudável, a obesidade e o tabagismo são fatores de risco para o desenvolvimento de neoplasias e existe atualmente uma série de recomendações alimentares divulgadas pelo Fórum Mundial de Pesquisa contra o Câncer, que nada mais são do que diretrizes para a prevenção câncer. Mas e na veterinária, quais seriam essas diretrizes?

Infelizmente os dados são escassos. De acordo com uma pesquisa, cerca de 60% dos veterinários são questionados semanalmente e 7% diariamente pelos tutores a respeito da dieta de seus animais. Apesar da alta demanda por informação, a nutrição em animais de companhia ainda é um assunto pouco abordado na graduação.

A falta de estudos controlados em animais de companhia levou à extrapolação de informações obtidas a partir de estudos em humanos mostrando o impacto da dieta em neoplasias do trato gastrointestinal, como cólon e pâncreas, além do câncer de próstata. No entanto os dados epidemiológicos são bem diferentes, sendo estas neoplasias frequentes em pessoas, mas raras em cães e gatos. Além disso, uma pesquisa revelou que 80% dos pacientes com câncer fazem o uso de suplementos vitamínicos e 54% de produtos herbais, sem orientação médica. Na veterinária sabemos que infelizmente existe o uso indiscriminado também de produtos e suplementos para pacientes oncológicos.

Desta forma, a supraespecialidade de nutrição oncológica tem por objetivo esclarecer e divulgar a importância da nutrição na manutenção da qualidade de vida, assim como na recuperação de pacientes oncológicos em mau estado nutricional, baseando-se sempre em estudos randomizados e controlados.

Atualmente a desnutrição está presente em um grande número de pacientes diagnosticados com câncer e associa-se à diminuição da resposta ao tratamento e à qualidade de vida, além do aumento na morbidade e mortalidade nesta doença. A caquexia associada ao câncer, uma síndrome de etiologia multifatorial, está presente em cerca de 69% dos cães e chega a até 91% nos gatos.

Estes animais apresentam uma perda de peso progressiva e involuntária, caracterizada pela perda de massa magra (com ou sem perda de tecido adiposo), que não pode ser facilmente revertida através de suporte nutricional convencional. Sabe-se que estas alterações ocorrem devido a distúrbios no metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídeos mediante ao aumento na produção de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α, IL-1 e IL-6 por macrófagos e linfócitos do hospedeiro. Como resultado destes distúrbios temos maior resistência insulínica; obtenção de glicose a partir do lactato pelo ciclo de Cori, ciclo este que gera maior gasto energético; maior catabolismo muscular e menor síntese protéica, que resultam em atrofia da musculatura esquelética; aumento da lipólise e diminuição da lipogênese. Estes distúrbios metabólicos têm por objetivo fornecer glicose para as células neoplásicas, em detrimento do organismo do hospedeiro.

Diante disto, a intervenção nutricional precoce e o acompanhamento nutricional são senciais para auxiliar na recuperação ou manutenção do estado nutricional, orientar sobre o manejo da alimentação frente aos possíveis eventos adversos de acordo com a terapia antineoplásica e contribuir na melhor tolerância ao tratamento e na qualidade de vida do paciente.

Além disso, atualmente dentre os vários agentes quimiopreventivos conhecidos para a redução do risco de câncer, fatores dietéticos são os mais acessíveis e promissores. Diversos estudos já demonstraram que determinados compostos bioativos dos alimentos são capazes de inibir diversos tipos de câncer, além de apresentarem sinergismo com terapias adjuvantes na oncologia. Os compostos bioativos que mais têm recebido destaque por sua ação antitumoral são os ácidos graxos ômega-3, a vitamina D, a cúrcuma, além do uso de pre e probióticos.

O ômega-3, composto pelo EPA e DHA, é um composto bioativo que possui ação inibitória sobre as citocinas inflamatórias e exerce papel antitumoral. O EPA age principalmente na redução da caquexia, enquanto o DHA demonstrou em estudos in vitro atividade na supressão da carcinogênese, redução no crescimento e angiogênese tumoral, indução da apoptose, sensibilização de células neoplásicas à quimio e à radioterapia, além da modulação de mecanismos epigenéticos relacionados ao desenvolvimento e progressão do câncer.

Diversos genes que regulam a proliferação celular, diferenciação e apoptose, são modulados, em parte, pela vitamina D. Muitas células possuem receptores para vitamina D e por isso, os níveis séricos desta vitamina impactam no desenvolvimento de diversas doenças, incluindo o câncer. Sharp e col. (2015) verificaram recentemente diferenças notáveis entre os fabricantes e marcas de diferentes rações em relação aos níveis de vitamina D3, sugerindo que seus níveis devem ser otimizados para reduzir a incidência de câncer e inúmeras outras doenças em cães. Segundo Selting e col. (2014), há uma forte correlação entre os níveis de vitamina D3 no soro e o desenvolvimento de câncer. Este grupo de pesquisadores mostraram ainda que animais com níveis ideais de vitamina D3 (100-120 ng/ml) apresentaram drástica redução na incidência de câncer. Mas ainda são necessários estudos para analisar o real papel da vitamina D na prevenção dos tumores, bem como quanto e quando deve ser suplementado em cães e gatos para prevenção dos tumores. A mesma suplementação ainda deve ser comprovada quando pensamos em tratamento de pacientes com câncer. Sabemos que o excesso de vitamina D também pode ser maléfico para o organismo, podendo causar hipercalcemia, fraqueza muscular, desidratação, insuficiência renal, arritmias cardíacas e até óbito. Por isso temos que suplementar com cautela e com embasamento científico, baseando-se principalmente no controle sérico da 25(OH)D3.

A curcumina tem uma série de atividades biológicas, incluindo propriedades antiinflamatórias e antioxidantes. Devido sua ação anti-inflamatória, foi utilizada como tratamento da caquexia também, bloqueando citocinas com ação catabólica (TNF- α, IL-1, IL-6) e a enzima COX-2. Como agente anti-câncer, atua em diversas vias: inibe a proteína oncogênica Bcl-2 (anti apoptótica); regulação do ciclo celular, interferindo principalmente na ciclina D1, uma proteína que encontra-se hiperexpressa em diversas neoplasias; inibição da angiogênese, bloqueando o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF); inibição das metaloproteinases de matriz (MMPs), enzimas com capacidade de degradação da matriz extracelular e membrana basal, que favorecem os processos de invasão e metástase em diversas neoplasias; induz parada do ciclo celular, interferindo na via de sinalização JAK-STAT, responsável pela expressão de genes envolvidos na proliferação, diferenciação, apoptose e oncogênese; inibe a enzima telomerase, que garante a replicação celular constante nas células neoplásicas, conferindo-lhes a característica de imortalidade; aumenta a expressão do gene p53 em determinadas neoplasias, gene considerado “guardião do DNA” pois evita a propagação de células mutadas no ciclo celular e por fim, inibe a via de sinalização do NF- κβ, considerado um importante promotor da tumorigênese pois regula genes relacionados à sobrevivência, crescimento, diferenciação e adesão celular, além de induzir inflamação sistêmica e resistência quimioterápica (PULIDO-MORAN et al., 2016). A biodisponibilidade da curcumina é baixa, mas novas formulações estão sendo desenvolvidas para melhorar sua absorção gastrointestinal. Novos estudos estão sendo realizados para entendermos como seria essa biodisponibilidade em pacientes caninos e felinos com câncer.

O uso de probióticos e prebióticos tem sido amplamente discutido, devido a importância de uma microbiota intestinal saudável na prevenção de diversas doenças, incluindo o câncer. A regulação da microbiota é capaz de reduzir o stress oxidativo, inibir a progressão tumoral, produzir componentes com ação antineoplásica, além de modular a resposta imunológica, recrutando células dendríticas e ativando células NK. Determinadas dietas podem alterar a microbiota, alterando a permeabilidade da mucosa gastrointestinal e permitindo com isso a translocação de endotoxinas produzidas, que induzem à inflamação crônica, interferem no sistema imunológico e predispõem ao desenvolvimento de determinadas neoplasias.

Os alimentos e suplementos têm a capacidade de alterar a expressão de genes, conferindo-lhes muitas vezes uma ação anti-tumoral. Muitas neoplasias podem ser prevenidas e devem ser tratadas com nutrição e suplementação adequadas. No entanto, a maioria dos estudos avaliando a ação de produtos naturais na carcinogênese utiliza linhagens celulares humanas ou de roedores. Sendo assim, estudos controlados são necessários ainda na veterinária para determinar doses e uma possível associação destes compostos ao tratamento convencional, visando não só o controle da doença, mas também promovendo uma melhora na qualidade de vida dos pacientes oncológicos.

 

 

Autora:

Juliana V. Cirillo

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