Medicina Oncológica Intensiva

11/10/2019 | Supreaespecialidades

 

Com o aumento da expectativa de vida dos animais e avanços dos meios diagnósticos veterinários, a frequência de doenças neoplásicas tem aumentado de forma significativa nos animais de companhia, com consequente ocorrência de potenciais complicações advindas do avanço da doença e/ou do próprio tratamento oncológico empregado,  podendo exigir cuidados intensivos nesses pacientes imunossuprimidos.

Até meados dos anos 1990, os pacientes oncológicos eram recusados nas unidades de terapia intensiva (UTI) pelo prognóstico atrelado à doença de base. O número restrito de leitos nas UTIs, associado aos custos inerentes do tratamento (principalmente de doenças oncológicas) eram utilizados como justificativas para recusar a admissão de um paciente oncológico em detrimento de outras afecções.  No entanto, diversos estudos atuais em pacientes oncológicos críticos introduziram novos conceitos à terapia intensiva, principalmente no que se refere às medidas admissionais desses  pacientes. Avanços dos cuidados intensivos, das terapias antineoplásicas e dos métodos diagnósticos proporcionaram um aumento não apenas da sobrevida, mas principalmente, da qualidade de vida dos pacientes oncológicos admitidos nas unidades intensivas. Infelizmente, os dados na literatura acerca do intensivismo oncológico na medicina veterinária são bastante escassos. Com o intuito de avaliar melhor o perfil dos nossos pacientes oncológicos nas internações, foi realizado um levantamento em um serviço de internação e UTI oncológica particular da cidade de São Paulo. Nesse estudo, foi demonstrado que 75% das internações oncológicas são para cuidados e suportes pós operatório. As internações advindas do tratamento quimioterápico correspondem a 21% do total de internação, sendo que 21,5% destas se deram de forma profilática quanto à ocorrência da síndrome da lise tumoral. Assim, apenas 12,8% dos pacientes apresentaram efeitos colaterais direto do tratamento, necessitando de internação.

Dentre os efeitos colaterais mais comuns, as desordens do trato gastrointestinal foram as reações mais frequentes (sendo a vincristina o quimioterápico mais correlacionado a essa ocorrência); seguida de azotemia, estando a carboplatina mais associada a esse potencial nefrotóxico. O linfoma multicêntrico foi a neoplasia mais correlacionada à necessidade de internação (59,5%).

Felizmente, a ocorrência de sepse secundária à leucopenia quimioterápica não é tão frequente na medicina veterinária, quando comparada à medicina humana devido às particularidades das espécies e, principamente, dos protocolos quimioterápicos empregados. No entanto, são descritos dois fatores de risco com relação a ocorrência de leucopenia: baixo peso corpóreo e neoplasias de origem hematológica. Dentre os quimioterápicos correlacionados a esse maior risco, a literatura reporta o emprego da doxorrubicina e a vincristina.

Tendo em vista que o principal motivo de internação de um paciente oncológico é para cuidados de pós operatório imediato, é de suma importância que o médico veterinário esteja preparado para oferecer o melhor suporte, além do conhecimento técnico das particularidades desse grupo de paciente. A avaliação do controle de dor deve ser praticada como rotina nesses pacientes e considerada como o quinto sinal vital. É importante que a equipe esteja atenta, a fim de evitar que essa análise seja subestimada e, para tanto, recomenda-se o emprego de escalas numéricas para auxílio dessa avaliação. Outra ressalva quanto aos cuidados do pós operatório se deve à maior predisposição ao desenvolvimento da Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS), que pode ser desencadeada pela própria manipulação cirúrgica, imunossupressão, isquemia, reperfusão ou até pela doença neoplásica de base.

Destaca-se, ainda, a ocorrência de uma enfermidade silenciosa, porém com alta morbidade associada: o tromboembolismo. A correlação entre neoplasia e trombo já está bem estabelecida, porém são escassos os dados na literatura acerca das diretrizes preconizadas para os pacientes oncológicos veterinários. Estatísticas da medicina humana apontam que e ocorrência de trombo aumenta o risco de óbito em paciente oncológico em 2 a 6 vezes, e que a tromboprofilaxia em pacientes internados reduz sua ocorrência em 30 a 65%. Pacientes com neoplasias são significativamente mais propensos ao desenvolvimento de trombos, além de maior recorrência do quadro e complicações hemorrágicas durante o tratamento com anticoagulantes.

Por fim, ressalta-se o papel dos cuidados paliativos nas unidades intensivas oncológicas. Os recursos tecnológicos e as medidas intensivas utilizadas no paciente crônico devem ser empregados sempre em associação aos cuidados paliativos. Tais medidas visam aliviar e previnir o sofrimento do paciente durante as diferentes fases do tratamento, focando sempre na manutenção da sua qualidade de vida e autonomia. Essa visão envolve portanto, cuidados de natureza física, psicossocial e espiritual não voltados apenas ao paciente, mas aos familiares envolvidos no processo do adoecer.

 

Autora:

Mayara Parisi

Referências

AZEVEDO L.C.P. Critérios de internação em UTI. In:  PRATA C. SANTOS R., SILVA U.V.A. Terapia Intensiva em Oncologia. 1. Ed. Rio de Janeiro: Rubio. 2019. Cap. 1, p 5-10.

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 LUNSFORD K.V. & MACKIN A.J. Thromboembolic Therapies in Dogs and Cats: An Evidence-Based. In Vet Clin Small Anim. 37. 2007. p 579–609.

 SORENMO K. et al. Outcome and toxicity associated with a dose-intensified, maintenance-free CHOP-based chemotherapy protocol in canine lymphoma: 130 cases. Vet Comp Oncol. 2010 Sep;8(3):196-208.